Da relação mágica com o mundo ao mundo mágico do cinema

Dedico essa reflexão ao Kinocélula, e ao que venho aprendendo com os alunos desde que começamos esses encontros na ESPM. Porque além de fazer cinema, uma das melhores escolas de cinema é dar aulas de cinema. Desculpe a redundância do termo, mas é assim. Aprende-se muito passando adiante o que se sabe.

De tantos aprendizados, reflito agora sobre um: o fazer do próprio artista. Aqui não falo do profissional, do técnico, do funcionário. Mas do artista.

Tudo parte, primeiro, de uma relação mágica com a arte. Ninguém que se aventura nesse campo sabe definir racionalmente porque o faz, simplesmente se sente movido por uma força da natureza, às vezes até contrária à razão dos tempos, à praticidade da vida e às crenças vigentes, especialmente as que prezam pela segurança. Não, a arte não é um lugar seguro. Pelo contrário, o lugar para onde vamos é assustador e solitário à primeira vista, e somente se tivermos a firmeza interna de continuar é que encontramos a matéria-prima da concepção genuína. Todo o resto é cópia, e por mais bem realizada que seja, não faz tanta diferença no passar do tempo.

Mas voltemos à relação mágica com a arte. A princípio, quem se aventura primeiramente foi raptado. Em algum momento, seja por um filme, música, uma frase, foi abduzido a esse mundo e voltou diferente. No meu caso, o simples ruído do projetor na sala de cinema já era o portal para alguma felicidade: algo me seria contado, uma história, eu seria magicamente transportada para algum universo. Durante aquele tempo do filme, eu não mais seria eu, mas alguém na tela, em outro lugar, em outro tempo. E essa suspensão dionisíaca me faria sonhar acordada e me levaria também a outros lugares de mim.

Eu poderia continuar assim. Uma amante.
Isso faria de mim uma cinéfila, não uma cineasta.

Mas por alguma razão inexplicável, algo me chamou para ser uma realizadora. E, apesar de toda a mística em torno disso, todo o prestígio criado pelo meio, esse não é um lugar confortável. Porque, para começar, tive que abrir mão da minha relação mágica com o próprio cinema, desvendar o mundo atrás das cortinas, atrás das câmeras. Perceber que as histórias não nascem prontas, que os filmes não se fazem como por encanto, mas às custas de muito suor, trabalho, frustrações, fracassos e, sobretudo, medos. Especialmente o medo de não ser compreendida.

Assim, para me forjar cineasta, tive que abandonar o éden da poltrona do cinema. Tive que me submeter aos ácidos nessa alquimia da transposição de amante a artista. Em vários momentos, precisei acreditar quando ninguém acreditava, nem mesmo uma parte de mim que buscava o caminho mais fácil. Em outros momentos, tive que, humildemente, reconhecer que ainda não havia chegado onde queria, me desapegar do feito e recomeçar. Em vários momentos desisti, e graças a essa correnteza inexplicável que acabei chamando destino, fui jogada de volta ao furioso rio de minhas criações.

Até que, nesse turbilhão, colhi alguns frutos. E ao contrário do que se pensa, eles não são os aplausos. São o silêncio de quem não consegue achar palavras rápidas para definir o que viu, ou melhor, sentiu, ao assistir o resultado de tanta batalha. Porque aplausos rápidos e palavras rápidas vêm de lugares confortáveis, mas quando o espectador é também raptado, volta como que entorpecido.

Nada disso se faz facilmente. Como por encanto. A mágica está na tela, mas realizá-la nos coloca em situação de perder a relação mágica com o mundo. E não estou falando da relação lúdica com o mundo, mas de uma falsa crença de que as coisas serão feitas por si mesmas - um resquício do mundo infantil que ainda carregamos. Olho com esse impulso! É ele quem nos leva aos lugares fáceis, quem nos faz desistir na primeira dificuldade, e, principalmente, quem nos faz distorcer um primeiro impulso inovador, em geral ainda estranho, pelo receio de não ser aceito.

Sinceramente, acho melhor errar feio buscando algo inovador do que acertar fazendo o mesmo com roupagens novas. Porque para cada “acerto”, há muitos fracassos. E só quando perdemos o medo do fracasso, superamos esse medo infantil de não agradar, é que ganhamos a firmeza e a maturidade que um artista verdadeiro necessita.

Por isso, sempre me pergunto se quero continuar nesse caminho. Dá trabalho entrar na noite de si. Dá trabalho lidar com esses medos, angústias. Dá trabalho resistir às crenças de sucesso, dá trabalho recomeçar sempre. Às vezes, em trégua, volto à sala de cinema e me permito mergulhar na magia. E a cada novo rapto, saio cada vez mais inspirada em novamente me meter em novas enrascadas, em um novo projeto.

Muitas vezes me perco, é verdade. Mas em preciosos momentos, percebo um encontro. Esse lugar novo que encontrei em mim reverbera em um lugar novo dentro do outro. Nesse momento, a mágica não é ilusória, é real. Vai além do entorpecimento da sala escura, é um momento que transforma.

É graças a esses momentos que eu continuo. E posso encarar mil fracassos, por mais duros que sejam, para sentir novamente esses instantes de encontro.

por Claudia Pucci

sexta-feira, 21 de março de 2008

Livros recomendados



Linguagem Audiovisual

XAVIER, Ismail. A Experiência do Cinema. RJ, Embrafilme; Graal, 1991

XAVIER, Ismail. Discurso cinematográfico: A Opacidade e a Transparência. Paz e Terra, 2005

METZ, C. Linguagem e Cinema. SP, Perspectiva, 1980

MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. SP, Brasiliense, 1990

Burch, Noel – Práxis do Cinema. Perspectiva, 1969

BAZIN, André. O Cinema. SP, Brasiliense, 1991

MACHADO, Arlindo. A Arte do Video. Brasiliense, 1997

BAZIN, André. O Cinema da Crueldade. SP, Martins Fontes, 1989

XAVIER, Ismail. O Cinema do Século. Imago

XAVIER, Ismail. O Olhar e a Cena. Cosac & Naify

COWIE, Peter. The Cinema of Orson Welles. New York, Da Capo Press, 1973

TRUFFAUT, François. Hitchcock/Truffaut – Entrevistas. Companhia das Letras

GILLIAN, Anne. O Cinema Segundo François Truffaut. RJ, Nova fronteira, 1990

Schatz, Thomas. O Gênio do Sistema. Companhia das Letras

Aumont, Jacques e Marie, Michel. Dicionário Teórico e Crítico de Cinema. Papirus


Aumont, Jacques. As Teorias dos Cineastas. Papirus

Grunewald, José Lino. Um Filme É um Filme. Companhia das Letras

Gonçalves Filho, Antonio. A Palavra Náufraga. Cosac & Naify

MERTEN, LC. Cinema – Entre a Realidade e o Artifício. Artes e Ofícios

BERNARDET, Jean-Claude. Caminhos de Kiarostami. Companhia das Letras

FELLINI, Federico. Fellini Visionário. Companhia das Letras, 1994

MARTINS, Luiz Renato. Conflito e Interpretação em Fellini. Edusp


Cinema Brasileiro

Xavier, Ismail. O Cinema Brasileiro Moderno. Paz e Terra

GOMES, Paulo Emílio Salles. Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento. RJ, Paz e Terra; Embrafilme, 1996

Xavier, Ismail. Alegorias do Subdesenvolvimento – Cinema Novo, Tropicalismo e Cinema Marginal. Brasiliense, 1994

ESCOREL, Eduardo. Adivinhadores de Água. Cosac&Naify

BERNADET, Jean-Claude. Cinema Brasileiro: Propostas para uma História. RJ, Paz e Terra, 1979

BERNADET, Jean-Claude. Cineastas e Imagens do Povo. Companhia das Letras

RAMOS, Fernão. Cinema Marginal. RJ, Embrafilme, Brasiliense, 1987

Sganzerla, Rogério. Por um Cinema sem Limite. Azougue Editorial


Direção

Realização
MAMET, David. Sobre Direção de Cinema. Civilização Brasileira, 2002

WATTS, Harris. On Câmera. O curso de produção de filme e video da BBC. SP, Summus, 1990

WATTS, Harris. Direção de Câmera – Um manual de técnica de vídeo e Cinema. SP, Summus, 1999

Rabinger, Michael. Direção de Cinema. Campus

Bogdanovich, Peter. Afinal, quem faz os filmes. Companhia das Letras, 2000

COLBY, Lewis, The Director/Interpreter. New York, Hastings House, 1979

CLURMAN, Harold. On Directing. New York, Collier, 1974

LUMET, Sidney. Fazendo Filmes. Rocco, 1998

Furtado, Jorge. Um Astronauta no Chipre. Artes e Ofícios, 1992

Mostra Internacional de Cinema, Abbas Kiarostami, Cosac Naify


Direção de Atores
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BURNIER, Luís Otávio. A Arte de Ator. Da Técnica à representação. Editora da Unicamp, 2001

CHEKHOV, Michael. Para o Ator. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo, Martins Fontes, 1996

KULECHOV, Leon. Tratado de la Realización Cinematográfica. Trad. Liuba V. de Klimovsky. Buenos Aires, Futuro, 1947

OIDA, Yoshi. Um Ator Errante. São Paulo, Beca Produções Culturais, 1999

PUDOVKIN, V.I. O Ator no Cinema. Cinematografia. Casa do Estudante do Brasil, s.d

STANISLAVSKY, C. Manual do Ator. São Paulo, Martins Fontes, 1989
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Roteiro

CÂNDIDO, Antônio et al A Personagem de Ficção. São Paulo, Perspectiva, 1976

CARRIÉRE, Jean-Claude. A Linguagem Secreta do Cinema. RJ, Nova Fronteira, 1995

Campbell, Joseph. O Herói de Mil Faces. Pensamento, 1995

MAMET, David – Três usos da faca. Civilização Brasileira

ARISTÓTELES; HORÁCIO; LONGINO. A Poética Clássica. SP, Cultrix, 1981

COMPARATO, Doc. Da Criação ao Roteiro. RJ, Rocco, 1996

ESSLIN, Martin. Uma Anatomia do Drama. RJ, Zahar, 1977

ROSENFELD, Anatol. O Teatro Épico. SP, Desa, 1965

VOGLER, Christopher. A Jornada do Escritor. Estruturas Míticas para Contadores de Histórias e Roteiristas. RJ, Ampesano, 1997

MARQUEZ, Gabriel García. Como Contar um Conto. Niterói, Casa Jorge, 1995

PALOTTINI, Renata. Dramaturgia de Televisão. SP, Minerva, 1998

MAGALDI, Sábato. O Texto no Teatro. Perspectiva

KOTT, Jan. Sheakespeare Nosso Contemporâneo. Cosac & Naify

BENTLEY, Eric. O Dramaturgo Como Pensador. Civilização Brasileira

BARTHES, Roland. Mitologias. Difel (Brasil).


Montagem

Murch, Walter. Num Piscar de Olhos. Jorge Zahar

DANCINGER, Ken. Técnicas de edição para cinema e vídeo: história, teoria e
prática. São Paulo: Elsevier, 2003.

LEONE, Eduardo, MOURÃO, Maria Dora – Cinema e Montagem. Ática;1993

EISENSTEIN, Sergei. A Forma do Filme. Jorge Zahar

EISENSTEIN, Sergei. O Sentido do Filme. Jorge Zahar

TARKOVSKY, Andrei. Esculpir o Tempo. Martins Fontes

DANCYGER, Ken. Técnicas de Edição para Cinema e Vídeo. Campus
Fotografia
BARTHES, Roland. A Camara Clara. Nova Fronteira, 2000
BROWN, Blain. Cinematography: Image Making for Cinematographers, Directors, and Videographers, Focal Press Schaefer, Dennis; Salvato, Larry. Masters of Light Malkiewicz, Kris. Film Lighting

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Monclar, Jorge. O Diretor de Fotografia. Solutions Comunicações


Som

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GILLIAN, Anne. O Cinema Segundo François Truffaut. RJ, Nova fronteira, 1990

NISBETT, Alec. The Use of Microphones. Boston, Focal Press, 1994

SHAFFER, R.Murray. O Ouvido Pensante. SP, Unesp, 1991

KULECHOV, Leon. Tratado de la Realización Cinematográfica. Trad. Liuba V. de Klimovsky. Buenos Aires, Futuro, 1947

WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido. Companhia das Letras



TV

BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.

MACHADO, Arlindo. A Televisão Levada a Sério. Senac São Paulo, 2000

FILHO,
Daniel. O Circo Eletrônico – Fazendo TV no Brasil. Jorge Zahar
OLIVEIRA SOBRINHO, José Bonifácio de. 50 Anos de TV no Brasil. Globo


Documentário

LINS, Consuelo. O Documentário de Eduardo Coutinho. Jorge Zahar, 2004
NICHOLS, Bill – Introduction to Documentary. Indiana University Press

GODOY, Helio. Documentário, Realidade e Semiose. Annablume, 2001
LABAKI, Amir. É tudo Verdade – Reflexões Sobre a Cultura do Documentário. Francis
DA RIN, Silvio. Espelho Partido. Azougue Editorial, 2004

Poética da imagem

DELEUZE, Gilles. A Imagem-Tempo. Brasiliense, 2005
AUMONT, Jacques. O Olho Interminável. Cosac&Naify, 2003
AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, Papirus, 1993

AGOSTINI, Franco. Juegos con La Imagen. Madrid, Pirâmide, 1987

BACHELARD, Gaston. Poética do Espaço. SP, Martins Fontes, 1989

BRYSON, Norman; HOLLY, Michael Ann, MOXEY, Keith (org.) . Visual Culture. Images and interpretations. London, Wesleyan university Press, 1994

CALABRESE, Omar. El Linguage Del Arte. Barcelona, Paidós, 1987

FRANSCATEL, Pierre. Imagem, Visão e Imaginação. SP, Martins Fontes, 1987



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